As trabalhadoras e trabalhadores de Enfermagem da área de Atenção Primária à
Saúde1
, presentes no dia 25 de agosto de 2021, na reunião online do Departamento de
Enfermagem na Atenção Básica (DEAB) da Associação Brasileira de Enfermagem
(ABEn), realizada durante o 72º Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn) e 3º
Colóquio Brasileiro de Enfermagem em Saúde Mental, vem por meio deste documento
apresentar, para a sociedade brasileira os principais desafios enfrentados pelas
trabalhadoras(es) em enfermagem (enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem) na
rede de Atenção Primária à Saúde (APS).
Inicialmente destaca-se que a enfermagem é a maior força de trabalho na saúde,
no Sistema Único de Saúde (SUS) e, inclusive, na Atenção Primária2
e que sua atuação
contribui para a universalização do acesso à atenção resolutiva e de qualidade, para o
fortalecimento dos espaços democráticos de participação e controle social, para a
mediação de ações intersetoriais que possam incidir na determinação social, para
promover a saúde e reduzir as desigualdades, ainda para a formação de
trabalhadoras(es) de saúde para o SUS.
Destaca-se também que o modelo assistencial da APS integral com enfoque
territorial e comunitário proposto pela Estratégia Saúde da Família (ESF) demonstrou ser
mais efetivo que outros modelos. Houve importante expansão da cobertura da ESF e
continuidade do modelo assistencial ao longo de mais 20 anos o que resultou em
aumento da oferta de amplo espectro de ações e serviços e concorreu para efeitos
positivos importantes sobre a saúde da população: redução da mortalidade infantil,
mortalidade < 5 anos, internações por condições sensíveis a APS, mortalidade por
doenças cardiovasculares, entre outros. A mudança no modelo assistencial também se
1
Neste documento consideram-se equivalentes os termos “Atenção Básica (AB)” e “Atenção Primária à
Saúde (APS)”, quando houver a implantação no processo de trabalho dos fundamentos e diretrizes
previstos internacionalmente na definição de APS. Conforme Barbara Starfield. Atenção Primária: equilíbrio
entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. UNESCO, 2002, 786p. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p1.pdf e
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p2.pdf. Optou-se por utilizar a denominação
APS, por ser uma denominação internacional, embora o Ministério da Saúde utilize na Política Nacional de
Atenção Básica brasileira a terminologia AB.
2
COFEn. Enfermagem em números. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros
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expressa na melhoria da situação de saúde com redução das persistentes desigualdades
sociais e regionais3
.
Reiteramos denuncias realizada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e
entidades como Abrasco, Conass e Conasems sobre o processo de desmonte que o
governo federal vem realizando no SUS, já havia subfinanciamento público crônico e
baixa participação de gastos públicos no total de gastos com saúde no Brasil e ele foi
agravado pelo desfinanciamento agudo provocado pela Emenda Constitucional do Teto
dos Gastos Públicos (EC 95/2016). Existem estudos que já demonstram a piora de
indicadores de saúde com aumento de mortes prematuras. Alem disso, a reforma
trabalhista e da previdência causou repercussões na gestão do trabalho da AB
ampliando a precarização do trabalho, pagamento de baixos salários, ausência de piso
salarial, jornada de trabalho de 40 horas. Acrescenta-se nessa conjuntura as
interferências realizadas pela Política Nacional de Atenção Básica de 2017 (PNAB/2017)
nas atribuições da enfermagem e no processo de trabalho das equipes de saúde da
família (eSF), como por exemplo, agregando práticas de enfermagem nas atribuições dos
Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Em 2019, veio o Previne Brasil alterando a forma
de enviar recursos para a APS nos municípios vinculando-os ao cadastramento de
usuários nas unidades básicas de saúde (rompimento da vinculação territorial, cadastros
individuais x acompanhamento longitudinal familiar; financiamento reduzido).
A política governamental de privatização do setor público tem sido claramente
explicitada como, por exemplo, nas propostas de participação do setor privado na
execução da política de AB (terceirização), pois propõe articulação, bem como, firmar
contratos com órgãos e entidades públicas e privadas, incluindo instituições de ensino,
para o cumprimento de seus objetivos.
Repudiamos a Portaria 800/2021, do Ministério da Educação, publicada no dia 06
de agosto, e alertamos para os futuros impactos negativos desta ampliação de forma
indiscriminada da oferta de cursos à distância com prejuízos em diversas áreas,
sobretudo na área da saúde. A formação em enfermagem exige habilidades teóricopráticas e relacionais, as quais não podem ser desenvolvidas sem contato real com os
pacientes, professores e equipamentos de saúde.
A enfermagem tem acumulado atividades administrativas, gerenciais, assistenciais
e de apoio ao funcionamento do serviço de saúde, a organização da demanda
espontânea e a infraestrutura com evidente sobrecarga. Portanto há a necessidade
imediata de uma gestão de processos compartilhada e a ampliação do número de
profissionais de enfermagem para que se possa realizar com efetividade o trabalho nas
duas dimensões (cuidado e gestão).
3
REDE APS. Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco. Contribuição para uma agenda
política estratégica para a Atenção Primária à Saúde no SUS. Saúde em Debate 2018; 42(Sp1): 4016-430.
DOI: 10.1590/0103-11042018S128; disponível em:
https://www.scielosp.org/article/sdeb/2018.v42nspe1/406-430/pt/
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O processo de trabalho da Enfermagem na APS enfrenta dificuldades e limites
históricos das suas práticas os quais foram agravados pelas políticas públicas de saúde
e evidenciados pela pandemia da Covid-19, entre os quais destacam-se:
• Falta de equipamentos e de recursos materiais, insuficiência de trabalhadoras(es)
para as ações de apoio na unidade de saúde como recepção, retirada de
prontuários, apoio à gerência local, entre outros, prejudicando a organização e
funcionamento do serviço e gerando sobrecarga com repercussão na qualidade do
processo de trabalho e na satisfação do usuário com o serviço oferecido;
• Número insuficiente de trabalhadoras(es) de enfermagem na unidade de saúde
que levam a sobrecarga de trabalho com atividades administrativas, gerenciais e
de apoio ao funcionamento do serviço de saúde (suporte a todos os outros
trabalhos da equipe), a organização da demanda espontânea e a infraestrutura em
detrimento da execução de suas atribuições específicas como a consulta de
enfermagem que é uma ação central e privativa da(o) enfermeira(o) na APS;
• Falta de reconhecimento do trabalho clínico da enfermeira(o), por meio da
consulta de enfermagem, expressa na Carteira de Serviços do Ministério da Saúde
e no âmbito da organização e gestão dos serviços, como por exemplo, ausência
de protocolos municipais adequados;
• Extensa área territorial da unidade de saúde dificultando tanto o acesso do usuário
ao serviço quanto do trabalhador da APS na realização das visitas domiciliares;
• Vínculo empregatício precário que leva à rotatividade das(os) trabalhadoras(es), o
que gera sobrecarga e adoecimento para os que permanecem e a fragilização dos
processos de trabalho com comprometimento do vínculo com a população
atendida e a qualidade da assistência, bem como gasto de tempo e energia com o
treinamento dos novos profissionais;
• Disparidades nas condições estruturais em diferentes unidades básicas de saúde
para a prática clínica da(o) enfermeira(o), como por exemplo, falta de um
consultório adequadamente equipado e de uso exclusivo;
• Falta de processos de educação permanente para qualificação da consulta de
enfermagem nas diversas áreas do escopo da APS para a garantia da qualidade
na assistência prestada;
• Protocolos do Ministério da Saúde, embora adotados oficialmente pelas
Secretarias Municipais de Saúde, nem sempre atendem as necessidades das(os)
profissionais de enfermagem por não descreverem claramente as atribuições da(o)
enfermeira(o) na política a ser implementada;
• Atribuições se somaram ao processo de trabalho da enfermagem no
enfrentamento da pandemia da Covid-19 sem apoio técnico, sem ampliação do
quadro de pessoal e com insumos insuficientes ocasionando mais sobrecarga e
adoecimento das(os) trabalhadoras(es);
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• Necessidade de capacitação e estrutura para a atividade de teleatendimento pela
APS frente ao desafio de dar sustentabilidade ao cuidado das condições de saúde.
Para a mudança deste contexto as(os) Enfermeiras(os) da APS reunidas(os) no
72º CBEn recomendam aos gestores municipais, estaduais e federais responsáveis pela
execução das políticas publicas de saúde que:
• Durante a emergência sanitária ampliem o quantitativo de trabalhadoras(es) em
Enfermagem na APS para atendimento das necessidades especificas para
enfrentamento da pandemia da Covid-19;
• Realizem a implantação de Programas de Educação Permanente para todas as
dimensões do trabalho na APS;
• Os municípios e estados brasileiros implementem protocolos assistenciais embasados
em evidências cientificas e no exercício profissional da enfermagem, contemplando a
realidade epidemiológica da região, as necessidades em saúde da população local, a
autonomia profissional, a qualificação da assistência e o respaldo técnico e legal;
• Promovam e financiem capacitações para a utilização das diversas tecnologias
(inclusive as digitais) que possam dar apoio à complexidade das práticas da APS;
• Invistam na ampliação da formação, qualificação e educação permanente em APS
(residência, especialização, mestrado e doutorado profissional, cursos de
aperfeiçoamento/atualização).
Considera-se urgente e necessário o apoio social e político da sociedade civil e o
compromisso dos poderes legislativo, executivo e judiciário para a adequação e mudança
deste contexto de exploração do trabalho que não oferece condições apropriadas ao
exercício do trabalho em enfermagem e que nos oprime e leva ao sofrimento psíquico e
adoecimento dos trabalhadores. A valorização da enfermagem, em especial, da
Atenção Primária a Saúde, também passa pela(o):
• Aprovação do PL 2564/2020 para definição de piso salarial e carga horária digna de
trabalho;
• Revisão da Política Nacional de Atenção Básica publicada em 2017;
• Priorização de um financiamento suficiente para o SUS, com destaque para a APS
integral;
• Revogação da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos (EC 95/2016);
• Fim do regime de partilha (pré-sal);
• Fortalecimento dos espaços democráticos de participação e controle social no SUS;
• Gestão pública democrática, participativa e transparente.
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Reforçamos a posição da ABRASCO4
quanto à necessidade contínua de diálogos
em defesa do SUS público e estatal, universal de qualidade, no qual seja possível que a
APS seja forte, integral, de orientação comunitária, territorializada, capaz de equilibrar o
cuidado individual oportuno com o cuidado coletivo, cumprindo assim, com os atributos
essenciais e derivados da APS, ainda, que seja de fato a principal porta de entrada e
ordenadora da rede regionalizada para garantia da atenção integral no SUS,
respondendo às necessidades individuais e populacionais de atenção à saúde.
Conclamamos as(os) trabalhadoras(es) em enfermagem para exercerem a
reflexão crítica, engajamento e participação associativa em entidades
representativas e científicas, do tipo associações e sindicatos para fortalecimento
e empoderamento da categoria para o exercício da essencialidade social da
enfermagem.
Florianópolis, 28 de agosto de 2021.
Trabalhadoras e Trabalhadores de Enfermagem da Área de Atenção Primária à Saúde.
Aprovado pela Plenária Virtual na Sessão de Encerramento do 72º Congresso Brasileiro de
Enfermagem (CBEn) e 3º Colóquio Brasileiro de Enfermagem em Saúde Mental.